21.3.09

Uma tarde no Museu de Aveiro

Coro Alto
Foto MRF - 19 Março 09


Há qualquer coisa que por dentro mexe quando entramos no coro alto, mesmo que ele ainda esteja fechado ao público para trabalhos de restauro. Talvez também por isso. É como espreitar a intimidade de um lugar que é belo antes do seu novo despertar. Ouvimos as palavras do Rei da Babilónia e sabemos que os deuses são sábios quando ordenam o restauro do templo. No Convento de Jesus existiu desde muito cedo um coro duplo devido aos alagamentos frequentes da igreja e do coro baixo. O formato actual do coro alto remonta ao século XVIII. Esta sala, a visão da igreja através do gradeamento, justificam por si uma visita ao Museu de Aveiro.

Na quinta-feira passada,
tal como fora agendado, voltámos ao Museu. A Dra. Ana Margarida Ferreira estava à nossa espera, disposta a esclarecer e, certamente, a ouvir críticas ao projecto de «requalificação». À minha volta, encontrei pessoas de todas as idades e com interesses e actividades diversificados. Estudantes de arqueologia, professores, urbanistas, enfermeiras reformadas, membros da Aderav, des-organizados, habitantes da cidade de nacionalidade portuguesa ou brasileira, em pouco tempo formaram um grupo animado, pronto a discutir a intervenção do arquitecto Soutinho e a problemática da gestão do (nosso) património. Responderam ao desafio que lancei neste blogue e num jornal da região. Eu e os Amigos da Avenida!

Há qualquer coisa que por dentro mexe quando se partilha um interesse comum. Penso que a directora do Museu de Aveiro rapidamente sentiu que a intenção daquelas pessoas não era a crítica fácil. Como outros espaços da cidade, o Museu de Aveiro é memória - política, socio-cultural, afectiva. O Museu integra a História e o nosso quotidiano, é um marco da identidade de um vasto conjunto de cidadãos. que pertencem a um lugar, que trazem o mundo para esse lugar. e por isso têm aspirações de saber e de intimidade. Para além da aparente indiferença, existe o desejo de participação na discussão dos projectos da Polis - que deve ser pública e amplamente divulgada. Questão ainda mais pertinente dada a especificidade deste espaço: é um Monumento Nacional, é um espaço de museológico, tem uma vocação científica e educativa.

Não tenho dúvidas de que a directora do Museu partilha esta visão. A abertura e disponibilidade que revelou vão ao encontro deste sentir político. Este projecto de «requalificação» de um Monumento Nacional simplesmente nasceu torto. Porque ainda não havia legislação que o obrigasse, não foi sujeito a concurso público. A «maquete» (?) foi apresentada ao público durante um curto período de tempo. Poderes políticos e media não fomentaram a sua discussão (sim, eu penso que ambos têm uma missão que transcende o imediatismo e a facilidade). Os cidadãos não reagiram a tempo de poder influenciar qualquer decisão.

Sendo assim, como bem afirmou a Dra. Margarida Ferreira, há que aprender com os erros do passado e estar mais atento. A cidade, o país, oferece-nos com demasiada frequência topoi relacionados com a defesa do nosso património.

A visita na passada quinta-feira não soube, contudo, a esforço vão. Quem esteve presente, saiu do Museu mais esclarecido relativamente a uma série de questões e decisões.

1. Em primeiro lugar, convém deixar clara a posição da sua directora. Quando assumiu o cargo,
a obra estava pronta para ser adjudicada.
2. A descoberta de construções antigas e de milhares de artefactos arqueológicos no decorrer das obras está documentada: a empresa Mythica acompanhou todo o processo e é ela que detém agora os «contentores» com as peças desenterradas. Segundo a directora do Museu de Aveiro, os achados estão agora a ser catalogados pela mesma empresa, devendo o estudo ser moroso. A Dra. Ana Margarida Ferreira sugeriu a possibilidade de antecipar uma exposição temporária sobre as escavações arqueológicas efectuadas. A decisão de voltar a enterrar as estruturas antigas permanecerá polémica.
3. A visita não modificou a minha opinião nem, penso, a da maioria dos outros participantes - no que diz respeito às opções estéticas do arquitecto. O sentimento geral continua a ser o do desvirtuamento do espírito conventual, além de que a intervenção foi muito invasiva. A construção da ponte de acesso ao segundo andar é o exemplo mais evidente.
4. Outros aspectos negativos, relacionados com a funcionalidade e custo de manutenção do espaço, foram realçados. O mais importante será o custo energético. O sistema de ar condicionado terá que funcionar continuamente, uma vez que as janelas amplas permitem a entrada directa de luz solar, criando um efeito «estufa» prejudicial à conservação das obras de arte expostas.

Estes são apenas alguns dos tópicos abordados na visita. Lamentavelmente, foram poucos os jornalistas presentes nesta visita guiada e a cobertura dada às explicações da Directora do Museu de Aveiro foi diminuta. Dar evidência a este tipo de informação implicaria mais os cidadãos e os responsáveis políticos. Integraria o Museu nas conversas quotidianas. Chamaria a atenção dos mais distraídos para a existência de um espaço - que é antigo -, mas que terá agora novas valências. Exposições temporárias, biblioteca, um pequeno auditório, um novo espaço de convívio. Talvez incentivasse mais pessoas a reanimar a AMUSA (amigos do Museu) ou a prestar serviços de voluntariado.

O Museu de Aveiro tem um novo rosto, gostaríamos que não tivesse perdido tantas rugas, mas continua ali à nossa espera. Foi bom revisitá-lo em tão boa companhia. Agradeço à Dra. Ana Margarida Ferreira o momento de excepção, ao Prof. José Carlos Mota tê-lo tornado possível e, a todos os parceiros da visita, a troca de pontos de vista e o ambiente de saudável carolice.

Apetece-me dizer «Até breve!».

18.3.09

Memorando Visita ao Museu de Aveiro



DIA 19 DE MARÇO, ÀS 14H30, TODAS AS PESSOAS INTERESSADAS EM APRECIAR E DEBATER A «REQUALIFICAÇÃO» A QUE O MUSEU DE AVEIRO FOI SUJEITO, TERÃO A POSSIBILIDADE DE O FAZER NA COMPANHIA DA SUA DIRECTORA, DRA. ANA MARGARIDA FERREIRA.

14.3.09

Percursos com História


Sábado, 14 de Março: A CIDADE EMERGENTE [SÉC. XVII-XVIII]

Percursos temáticos em que se explora a percepção da comunidade numa perspectiva dinâmica e evolutiva da paisagem histórica de Aveiro.
Esta iniciativa dá vida ao conceito de museu polinucleado que tem na cidade continuidade do próprio espólio museológico do Museu da Cidade de Aveiro.

Próximos Percursos:
A Villa de Aveiro [até ao século XVII]: 09 de Maio; 12 de Setembro
A Cidade Emergente [até ao século XVIII]: 13 de Junho; 10 Outubro
A Cidade Contemporânea [séc. XIX-XX]: 18 Abril; 11 Julho; 14 Novembro

Público-alvo: Público em Geral
Orientador: Dr. Amaro Neves
Local de encontro: Praça da República, junto ao Monumento a José Estêvão
Horário: 11h00 – 13h00
Número Máximo de participantes por percurso: 30
Sujeito a inscrição prévia: museucidade@cm-aveiro.pt 234 406 485



[Imagens: Convento de Jesus e igreja de S. Domingos.1915.1905]


P.S.: Uma exposição de fotografia de Aveiro Antigo poderá ser visitada de 7 de Março a 5 de Abril, de Terça a Domingo, das 14.00 às 19.00 horas, na Galeria dos Paços do Concelho. Tem entrada livre.

12.3.09

Era uma vez em Aveiro

Eu sou Nabonidus, Rei da Babilónia (...) num dia favorável para o meu reinado, o deus Shamash lembrou-se da sua antiga casa, e foi a mim, Rei Nabonidus, quem ele encarregou da tarefa de restaurar o templo e de refazer a sua casa...”.

Este texto de Nabonidus, do século VI A.C., testemunha um desejo humano ancestral: o de conservar e restaurar a história das sociedades e da sua cultura. Contudo, a intenção deliberada de conservar, revelada pelo Rei, não era inocente. As suas motivações eram de ordem religiosa, mas também políticas. Passados mais de dois mil anos, o que nos leva a querer conservar e restaurar o nosso património? O fervor religioso (ainda...), interesses políticos (num sentido muito amplo), económicos, a vontade de educar, a busca da história- identidade de um povo ou região, a aspiração ao belo. Não estamos assim tão distantes do Rei da Babilónia!

Infelizmente, também muito cedo na história da humanidade, aconteceram actos de destruição do património. Na sua origem: o fanatismo religioso, o activismo político, as guerras, o mercantilismo, a ignorância, a negligência, a desvalorização ou rejeição do passado, ou apenas um desejo de ampliar, de refazer, de recriar livremente.

A consciência da importância do nosso património e da necessidade de o conservar, pelo que representa em termos de memória colectiva e pelas suas qualidades intrínsecas, amadureceu a partir do século XIX, quando a curiosidade pelo passado se transformou em História. Surgiram os debates, acesas polémicas, em torno dos conceitos de restauração e conservação, que, à época, foram colocados em campos opostos. O arquitecto Eugène Viollet-le-Duc, um dos primeiros teóricos da preservação do património histórico, afirmava em 1886 que restaurar um edifício não era preservá-lo, repará-lo ou reconstruí-lo; restaurar significava recriar a forma na sua totalidade, pelo que o resultado seria algo que forçosamente nunca existira antes. A crítica veio de Inglaterra. Membros da famosa Irmandade Pré-Rafaelita, amantes do medievalismo, os românticos John Ruskin e Willian Morris, consideravam que restaurar era reduzir o trabalho original a nada. Segundo Ruskin, «... a maior glória de um monumento não é as suas pedras, nem o seu ouro. A sua glória está na sua Idade».

Os pressupostos modernos da conservação do património fusionam os princípios essenciais destas duas correntes oitocentistas. Aceita-se a restauração como operação legítima, desde que não falsifique a evidência. No século XX, o desenvolvimento destas ideias traduziu-se na produção de vários instrumentos internacionais orientadores dos trabalhos de conservação do património. A Carta de Atenas (1931) constitui a primeira tentativa de fixação de princípios éticos a nível internacional. Estabelece a necessidade de criar medidas legais de protecção do património, a primazia da conservação face à restauração, o respeito pela integridade dos monumentos e pelas contribuições de idades diferentes, a necessidade de documentação. Estes princípios foram reafirmados na Carta de Veneza (1964) e, em 1972, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, foi adoptada na Conferência Geral das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Actualmente, mais de 160 países ratificaram essa Convenção. Portugal aderiu em 1979. Podemos ler no sítio do IPPAR que promover uma ética de conservação do património «é, sem dúvida, um grande desafio, particularmente numa época onde a globalização económica conduz todas as nações a perseguir um desenvolvimento acelerado, por vezes pouco preocupado com as consequências para o futuro

É com esta declaração que regresso a Aveiro. No decorrer das obras de ampliação e «requalificação» do Museu de Aveiro iniciadas em 2006, foi noticiada a descoberta de construções antigas, estruturas do antigo Convento de Jesus, e de “milhares de peças” (agência Lusa). Um técnico da Mythica, empresa de arqueologia que acompanhou a obra, informava que estava a ser feita «a exploração de duas valas próximas da antiga cozinha do Convento de Jesus, de onde tem saído grande quantidade de faiança do século XII e posterior, como taças, tigelas, formas e mesmo fragmentos de vidro». Na mesma altura, a Directora do Museu adiantou ao DA que «foi feita a escavação, registada por métodos fotográficos e desenho» e que seriam feitos apenas «pequenos ajustes» ao projecto inicial do arquitecto Alcino Soutinho, algo «totalmente consensual entre todos os interessados». No dia 5 de Março, em resposta a um post que escrevi relatando as minhas impressões da visita ao Museu «requalificado» (nos blogues Divas & Contrabaixos e Quarto Com Vista para a Cidade de Aveiro), a Dra. Ana Margarida Ferreira confirmou que «as estruturas arqueológicas estão documentadas e enterradas, o espólio está acautelado». Os critérios que foram tomados em consideração para a prossecução normal dos trabalhos, os «pequenos ajustes» ao projecto que as descobertas arqueológicas eventualmente produziram, a documentação produzida, a quantidade e caracterização do espólio recolhido, são dados a que os cidadãos, nesta era da informação e do conhecimento, não têm acesso. E o Museu reabriu sem nenhuma exposição que desse conta das escavações e descobertas arqueológicas!

Centremo-nos agora no edifício que alberga o Museu de Aveiro. É classificado Monumento Nacional em 1910, ainda antes da fundação do então designado Museu Regional de Aveiro (1911). Afirmar que o Convento de Jesus integra o espaço museológico é redutor. O valor do património que foi agora «requalificado» deriva das origens, história e arquitectura conventuais. Qualquer intervenção no Museu deveria assim ser concebida tendo em conta a totalidade do espaço histórico, nunca esquecendo a sua natureza especifica e original. O projecto do arquitecto Alcino Soutinho conseguiu o inimaginável: nas salas onde estão expostas as colecções dedicadas à Princesa Santa Joana e as de arte sacra, o visitante esquece-se que está num espaço conventual! Nos anos 30 foram demolidas paredes de celas para criação de salões de exposição. O princípio ético da intervenção minimamente invasiva em monumentos com valor histórico ainda não tinha sido ratificado. Mas o projecto actual removeu as paredes que restavam, destruiu por completo a antiga entrada do Museu, rasgou uma ponte de betão no interior do convento, fechou as portas do claustro alto,... e mais não sei porque uma parte do museu está ainda vedada ao público. Naturalmente, o Museu merecerá sempre a nossa visita. A Igreja de Jesus, a capela-mor, o coro baixo e o coro alto, os túmulos de Santa Joana, do Duque de Aveiro e de João Albuquerque, as colecções de pintura, escultura, talha, azulejaria, ourivesaria, joalharia, paramentaria, cerâmica (essencialmente de índole religiosa) são tesouros que têm um valor universal. Mas estranho. Estranho a aprovação deste projecto. Estranho que a belíssima Botica conventual não possa mais voltar ao espaço que anteriormente ocupava ou a qualquer outro, dadas as suas dimensões e a filosofia de descontextualização das peças dos seus ambientes. Estranho que um investimento de cinco milhões de euros, valor estimado da obra (sendo a comparticipação comunitária de metade), não abranja o restauro do claustro e sua azulejaria. Estranho que a necessidade objectiva de construção de um corpo novo, destinado a sala de exposições temporárias e reservas, biblioteca e laboratórios de conservação, gabinetes, auditório e café, tenha levado a uma excessiva relativização do valor histórico deste Monumento Nacional. O fantasma da paralisação do futuro dominou a vontade ancestral de preservar o passado. «É preciso ver a cultura como um factor de desenvolvimento», afirmou a secretária de Estado da Cultura no dia da reabertura do Museu de Aveiro (18-12-2008). Sei que a forma como olhamos para uma obra é subjectiva. Eu penso que o Museu perdeu memória. John Ruskin diria que houve «profanação». Que importa! Venham os novos projectos, as novas actividades, as exposições temporárias! Porque público é preciso! Cidadãos é que nem tanto...


... ou não! Na declaração já referida, a Dra. Ana Margarida Ferreira declarou ser «completamente adepta da discussão pública dos assuntos de interesse público» e disponibilizou-se para «discutir conceitos e opções de intervenção em museus e monumentos». Dado a sua incontestável competência e determinação, a questão dos achados arqueológicos não estará pois perdida. Relativamente ao projecto arquitectónico de Alcino Soutinho, mesmo que pareça tarde demais discuti-lo, não o é de facto. Seria da máxima importância que gerasse uma reflexão pública, envolvendo especialistas e o público em geral. O Museu de Aveiro é de todos nós! Não devemos abster-nos de fruir desse espaço e de exigirmos o respeito pela Idade das suas pedras.

P.S.: O título deste artigo é também uma alusão ao site do Museu de Aveiro - http://www.eraumavezemaveiro.com/


Maria do Rosário Fardilha
DIÁRIO DE AVEIRO, 12 de Março de 2009



Ver ainda artigo de João Peixinho no DA de hoje.

11.3.09

Visita ao Museu de Aveiro

CONVITE


DIA 19 DE MARÇO, ÀS 14H30, TODAS AS PESSOAS INTERESSADAS EM APRECIAR E DEBATER A «REQUALIFICAÇÃO» A QUE O MUSEU DE AVEIRO FOI SUJEITO, TERÃO A POSSIBILIDADE DE O FAZER NA COMPANHIA DA SUA DIRECTORA, DRA. ANA MARGARIDA FERREIRA, A QUEM AGRADECEMOS A DISPONIBILIDADE E A ATITUDE DE FRANCA ABERTURA.

8.3.09

Amigos da Avenida, do Museu, de Aveiro


Agradeço o dinamismo de José Carlos Mota e a disponibilidade da Directora do Museu de Aveiro para debater esta matéria. Brevemente será comunicada a data do encontro no Museu.

5.3.09

Sobre os pontos enunciados pela Directora do Museu de Aveiro

Agradeço os esclarecimentos da Dra. Ana Margarida Ferreira mas, se me permitem, volto a questionar alguns dos pontos enunciados.

1. As estruturas arqueológicas estão documentadas e enterradas, o espólio está acautelado.

Quem tomou a decisão de voltar a enterrar «as estruturas arqueológicas»? Por que não foi o projecto de arquitectura reajustado às descobertas que as obras revelaram? Poderá o público ter acesso a essa documentação? O que compreende o «espólio» que foi acautelado?

2. O chão de ladrilho da portaria foi colocado no século XX. Temos a factura da sua compra.

Peço desculpa pela falta de qualidade das fotografias mas confirma que esta entrada foi completamente destruída, nomeadamente o balcão do andar superior e a perspectiva do espaço e do tecto em talha dourada que este oferecia ao visitante, bem como a escadaria de acesso ao primeiro andar?

3. Os painéis de azulejo foram lá colocados na direcção do Dr. Alberto Souto; foram removidos na direcção da Dr.ª Maria Lobato e estão desmontados. Não estão em exposição (estranho muito a afirmação da autora).

Referimo-nos à sala que aqui é apresentada? Lamento se fui imprecisa, confundi certamente estes painéis com outras peças da exposição. O Museu de Aveiro não vai expor os sete painéis de azulejos recortados da primeira metade de setecentos?


4. As portas em torno do claustro superior continuam a ser portas.

As portas foram transformadas em janelas (com a dimensão das anteriores portas). Quem percorrer o claustro alto, já não pode entrar em nenhuma "porta". Na verdade, as novas janelas, tapadas com persianas para evitar a luz directa sobre as peças de colecção, escondem a vista sobre o claustro alto. É incorrecta esta afirmação?

5. O pavimento das salas do primeiro andar sempre foi de soalho de madeira.

Lamento a imprecisão, sou apenas uma visitante interessada do Museu há muitos anos. Referia-me ao piso que é visível na imagem seguinte. De resto, presumo que também esta sala já não exista, ou estou enganada?


6. Os azulejos do poço foram levantados e guardados; eram uma decoração aplicada a cimento, em data incerta, seguramente do século XX adiantado. O pavimento nunca foi de mosaico; foi de seixo rolado, conforme documentaram as escavações arqueológicas.

Obrigada pela precisão. Mas o seixo rolado configurava formas geométricas, não é verdade? Relativamente ao poço, é mais rico e interessante mantê-lo em cimento bruto? As colunas deste segundo claustro foram rodeadas ou não por uma estrutura metálica e envidraçada?


[As imagens apresentadas pertencem ao Caderno do Público - Museus de Portugal X - Museu de Aveiro, s.d.]

Resposta de Ana Margarida Ferreira, Directora do Museu de Aveiro

Sou completamente adepta da discussão pública dos assuntos de interesse público. O Museu de Aveiro, as suas obras e as suas actividades são assunto de interesse público. Mas antes de entrarmos na discussão pública é preciso por os pontos nos iis. Para já ficam os seguintes esclarecimentos:
1. As estruturas arqueológicas estão documentadas e enterradas, o espólio está acautelado.
2. O chão de ladrilho da portaria foi colocado no século XX. Temos a factura da sua compra.
3. Os painéis de azulejo foram lá colocados na direcção do Dr. Alberto Souto; foram removidos na direcção da Dr.ª Maria Lobato e estão desmontados. Não estão em exposição (estranho muito a afirmação da autora).
4. As portas em torno do claustro superior continuam a ser portas.
5. O pavimento das salas do primeiro andar sempre foi de soalho de madeira.
6. Os azulejos do poço foram levantados e guardados; eram uma decoração aplicada a cimento, em data incerta, seguramente do século XX adiantado. O pavimento nunca foi de mosaico; foi de seixo rolado, conforme documentaram as escavações arqueológicas.
Dito isto, estou disponivel para discutir conceitos e opções de intervenção em museus e monumentos.


Ana Margarida Ferreira
Directora do Museu de Aveiro

4.3.09

Desconserto no Museu de Aveiro


As obras de ampliação e requalificação do Museu de Aveiro deram que falar mas nunca se falou o suficiente. No decorrer das obras, face a descobertas de interesse arqueológico, dominou o silêncio. E é este que continua a dominar: onde estão «os vestígios de estruturas antigas»? O Museu reabriu, as obras estão praticamente finalizadas. Parece que todos preferem festejar e não questionar o que se fez com 5.080.669,00 euros, valor estimado da obra (sendo a comparticipação comunitária de metade). O projecto tem a autoria do arquitecto Alcino Soutinho. A fiscalização esteve a cargo da delegação de Coimbra da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Mas, na minha simples opinião, o museu foi alvo de um atentado!

Antes das obras, a entrada do museu, em chão de mosaico antigo, de barro escuro, dividia o espaço branco das paredes por sete painéis de azulejos recortados, da primeira metade de setecentos, ali instalados depois de terem sido retirados da antiga Sé ou Recolhimento de S. Bernardino. ESTE ESPAÇO FOI DESTRUÍDO. OS PAINÉIS ESTÃO EXPOSTOS DE FORMA ALINHADA NUMA DAS NOVAS SALAS DE EXPOSIÇÃO.

As várias salas, organizadas agora segundo os períodos convencionais da história de arte, são frias, não passam de mostruários de arte sacra. AS PEÇAS FORAM DESCONTEXTUALIZADAS. Torna-se mais prático digitalizar o espaço e fazer uma visita virtual!

O Claustro. No centro, o chafariz entre degraus e bancadas revestidas de azulejos de figura azuis e brancos da primeira metade do século XVIII. NÃO FORAM RESTAURADOS.
À volta do claustro, as salas sucedem-se. A maior guardava o túmulo de João Albuquerque e sua mulher D. Helena Pereira, inicialmente feito para ser colocado numa capela da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia (actual Sé), da qual tinha o padroado. A sua vinda para o museu deu-se em 1945. EI-LO, ACTUALMENTE:

O que aconteceu às outras salas, não sabemos. O espaço ainda está vedado ao público. Temo pela «requalificação» das capelas de S. Simão, de S. João Batista, de S. João Evangelista, do Refeitório.

O acesso ao Claustro alto também está vedado. Mas uma mudança sobressai: AS PORTAS AO LONGO DA VARANDA FORAM TRANSFORMADAS EM JANELAS.

Antes das obras de «requalificação», saíamos do coro alto ao encontro dos testemunhos da vida da Beata Joana. Três pequenas divisões, abertas do lado do coração. Mantiveram essas salas. Mas O PAVIMENTO EM MÁRMORE FOI SUBSTITUÍDO POR UM MODERNO SOALHO DE MADEIRA E O SEU NOVO ENQUADRAMENTO DESTRUIU POR COMPLETO O AMBIENTE CONVENTUAL QUE DIFERENCIAVA ESTE MUSEU DE QUALQUER OUTRO. A OPÇÃO FOI A DE DEITAR PAREDES ABAIXO E ERGUER UMA SÉRIE SALAS DE EXPOSIÇÃO. Não há permissão para fotografar as salas (restrição que é cada vez mais exclusiva deste país). Centremo-nos apenas nesta nova entrada para o segundo piso:



Parece-me insano rasgar o espaço do convento com esta ponte de betão e metal. Mas enfim, é apenas a minha opinião.

A mística do museu, os pequenos detalhes, diluiram-se nestas novas linhas de modernidade acéfala. A ruptura com as suas origens é irremediável. A casa mandada erguer por D. Brites Leitão foi fulminada. O convento que D. Afonso V e sua corte lançaram após a bula papal de Pio II em 1461 perdeu a alma. É desesperante o que fizeram ao segundo claustro! O chão foi todo levantado (o que fizeram aos mosaicos antigos?), substituído por pequenos seixos elegantes. O poço passou a estrutura acimentada, bastante grosseira (o que fizeram dos azulejos?). O passeio envolvente está coberto por uma estrutura metálica, tipo marquise!!! É preciso ver e rever para acreditar! Enfim, foi o que me aconteceu, mas devo ter sido a única...
Quanto à Igreja do Convento de Jesus, não foi tocada. Felizmente, a parte mais antiga da construção, quatrocentista, estava fora do projecto!

Não adianta muito, ou nada, expressar esta opinião. Deve ser por isso que ninguém fala, como eu falo, e repito, de atentado a um Monumento Nacional. Autarquias, Secretarias de Estado, continuem no bom caminho! O povo não é quem ordena!